segunda-feira, 20 de novembro de 2017

CORDEL




Xilogravura








Eu começo este cordel
Recorrendo ao dicionário
Pois o tal livro reflete
Um saber reacionário
Já que o significado
Do verbete ali mostrado
É antigo e ordinário.

Tomarei como um exemplo
A palavra de “mulata”
Revelada a sua origem
Que me fez estupefata
Pois compara com jumento
Com racista entendimento
A gente miscigenada.

Se você não conhecia
Eu lhe posso explicar
Que mulata se dizia
Com o fim de debochar
O termo pejorativo
Era depreciativo
Sem noção de respeitar.

É chamado de mulato
Aquele que é misturado
Um dos pais é de cor negra
Sendo o outro branqueado
Mas a miscigenação
No início da nação
Foi um mal desnaturado.

Nunca foi caso de amor
Como se pode alegar
Era caso de estupro
Que à negra ia abusar
O senhor da Casa Grande
Mui cruel e dominante
Pronto pra violentar.

E além dessa faceta
Existiu branqueamento
Como oficial medida
Para o tal clareamento
Com o fim de exterminar
De pra sempre eliminar
O negro do pensamento.


Essa torpe intenção
Que visava misturar
A cor negra e a branca
Até por fim conquistar
Um final clareamento
Jogando no esquecimento
A cor preta a incomodar.

É verdade que hoje em dia
No Brasil é proibido
O racismo já é crime
Mas não é nada escondido
Pois a imagem da mulata
Hoje ainda nos relata
Tal racismo aludido.

É possível ainda hoje
Um ditado se escutar
Se o pai é homem preto
E com branca se casar
Todos rezam pra nascer
Um bebê pra condizer
Que à mãe deve puxar.

Se tiver a pele clara
Mas cabelo encrespado
Sendo meio “moreninho”
E com nariz achatado
Vai sofrer com o racismo
Desse mundo de cinismo
Porcamente enquadrado.

E aí ninguém mais pensa
Que a mistura o clareou
Se o cabelo não é liso
Se o nariz não afilou
É tratado como preto
Com racismo obsoleto
Que jamais se acabou.

O problema, realmente
Na mistura não consiste
Mas é na mentalidade
Que o racismo ainda existe
Julgando que é um problema
E fazendo de um dilema
Essa cor que a pele exibe.

O problema é a tentativa
De impor branqueação
Destruindo a identidade
Para o povo da nação
Impedindo de enxergar
O racismo a clarear
Nessa padronização.

No passado se queria
O final da negritude
Que incomodava o branco
Por ter forte atitude
Pois a preta identidade
É dotada de verdade
De beleza e plenitude.

Os racistas do passado
Inda vivem no presente
Têm um discurso furado
Ensinado para a gente
De que negro não existe
E no termo vil insiste
Com postura insolente.

Vão chamando de mulato
Ou de pardo e bronzeado
Dizem que é cor de jambo
Tom moreno e amarronzado
Chama até de chocolate
Nesse torpe disparate
De racismo nomeado.

Só não chama pelo nome
Que lhe é fortalecido
Pois racista não tolera
O negro que é entendido
Que bem sabe de sua cor
E por ela tem amor
Com orgulho agradecido.

Quando digo que sou negra
Corre um monte pra falar
Que não sou suficiente
Para me identificar
Se não fosse irritante
Ia ser hilariante
Mas é de se preocupar.

Pois na hora do racismo
Quando querem desprezar
Todo o tipo de exclusão
Contra mim querem jogar
Já negaram até trabalho
Me queriam de cangalho
Para em mim poder pisar.

Mas a partir do momento
Que de tudo me toquei
Entendi o meu contexto
E enfim me empoderei
Tenho uma identidade
Forte essa integridade
E de negra me enxerguei.

Essa palavra “mulata”
Ela não me representa
Não sou cria de jumento
Nem de burro sou rebenta
Eu sou filha duma gente
Corajosa e imponente
Com história opulenta.

Não aceito essa carimbo
De “mulata” Globeleza
O meu corpo não é coisa
Pra racista nojenteza
Sei bem mais do que sambar
Pro machismo se acabar
Eu te passo essa certeza.

A beleza das pessoas
Está na diversidade
É por isso que acredito
Com muita sinceridade
Que ser negra é alegria
Com destreza e ousadia
É minha prioridade.

Não me chame de morena
Pois a minha aparência
Contém a ideologia
Da mais pura sapiência
É dotada de intenção
Com fim de libertação
Cheia de resiliência.

Eu mantenho sempre viva
Essa herança ancestral
Que por mim se perpetua
E que em mim é maioral
Negritude é baluarte
Resistente contraparte
Ao racismo imoral.

É por isso que eu exijo
O respeito que é devido
Que aceite a minha fala
E não venha de atrevido
Venha enfim compreender
Bem disposto para ver
O que tenho promovido.

Não me chame de mulata
Eu sou negra orgulhosa
Não me chame de morena
Eu sou preta vigorosa
Tenho garra pra lutar
Para a todos ensinar
Sempre bem esperançosa.

Essa minha identidade
Possui força exemplar
É firmada na coragem
De unir e conquistar
Resgatei minha raiz
E agora eu sou feliz
Pelo que posso contar.
Por Jarid Arraes na Revista Fórum