quarta-feira, 28 de julho de 2010

Leitura nas diversas disciplinas II

Publicado no portal do Escrevendo o Futuro/CENPEC
Autoras: Heloisa Amaral e Roselene dos Anjos


Ponto chave: sem trabalho específico para desenvolver capacidades de leitura próprias para cada área do conhecimento, o aluno terá mais dificuldade para aprender as diferentes disciplinas escolares.

O problema está no entendimento comum do que é a leitura: em geral, ela é vista apenas como a decifração das letras que compõem as palavras e, por consequência, o texto. Esse entendimento está associado ao conceito de língua que o antecede (no caso, a língua é vista apenas como código) e, para aprofundar um pouco esta discussão é necessário retomá-lo: se a língua é compreendida apenas como um conjunto de sinais combinados, ao ensiná-la precisamos somente levar os alunos a compreender de que forma esses sinais se combinam no idioma que falamos e como são regulados por sua gramática.

Certamente, concordamos que a compreensão do código é importante, mas é preciso compreender que ele é apenas uma das necessidades do ensino.

O fato é que essa forma restrita de compreender a língua e de ensiná-la, largamente usada, não tem servido à melhoria das capacidades de leitura da população brasileira. Por qual a razão? É que a língua, mais do que uma combinação de fonemas ou grafemas, é também discurso, ou seja, aquilo que os sujeitos dizem ou querem dizer quando a usam. Língua é discurso, o qual pode ser definido, tal como encontramos no dicionário Houaiss, como: “série de enunciados significativos que expressam formalmente a maneira de pensar e de agir e/ou as circunstâncias identificadas com um certo assunto, meio ou grupo”.

Desta forma, é preciso compreender que o discurso necessita de fonemas, grafemas, sinais (musicais, matemáticos, corporais etc.) ou imagens para ser acessível ao interlocutor, mas sua existência é feita de algo mais profundo, a série de enunciados (ou modos de dizer algo) que revelam maneiras de pensar ou agir e assuntos sobre os quais os falantes pensam e agem.

Quando olhamos a língua na perspectiva do discurso, precisamos admitir sua condição de ser que tem vida, e que vive no diálogo contínuo entre os sujeitos sociais. Ela, como os demais seres vivos, transforma-se com o tempo, tem história. Sua história é definida pelo que os usuários das diferentes áreas de atuação humana fazem dela a partir das diferentes situações de comunicação em que se inserem ao longo do dia.
Se o usuário é da área de matemática, fará um uso próprio da língua em sua esfera de atuação. Comparando esse uso da língua ao que faz alguém que atua na área de história, constatamos que o campo de conhecimento particular de cada um será expresso por meio de diferentes formas estáveis de comunicação, ou seja, por meio de diferentes gêneros do discurso. O primeiro, certamente usará muitas vezes o gênero problema matemático. O segundo, certamente usará os gêneros artigo e ensaio em seu cotidiano.

Como esses gêneros estão inseridos na história de cada área de atuação humana tornam-se, muitas vezes, indecifráveis ao leitor iniciante. Se esse leitor sente o gênero como uma rocha que se interpõe entre ele e o conhecimento, provavelmente desistirá se não lhe fornecerem, na linguagem figurada que estamos usando, ferramentas para “quebrar a rocha”.

Que ferramentas seriam essas? Os conhecimentos próprios de cada área e as capacidades que concorrem para a leitura e compreensão de textos. Hoje falaremos apenas dos textos escritos e notações matemáticas. Em outra ocasião, de textos imagéticos, de mapas, de gráficos.

1. Leitura como uma situação efetiva de interlocução: o aluno precisa dialogar com o texto que lê a partir de seu conhecimento de mundo relacionado com a área específica que absorve o gênero a que o texto pertence. Por exemplo, uma criança iniciante no conhecimento matemático quando apresentada à expressão “quarto de maçã”, poderá entender que o professor se refere a um quarto cheio de maçãs. Para proporcionar condições para a interlocução, o professor poderá, a partir desse conhecimento mais comum das crianças, discutir diferentes significados da palavra quarto e observar que variam conforme a área do conhecimento. Em seguida, poderá explicar que, em matemática, esta expressão é usada para indicar a quarta parte de um inteiro dividido em quatro.

2. Recuperação do contexto de produção do texto: ao indicar que quarto, em matemática, está associado à operação da divisão, o professor, de certa forma, recuperará o contexto em que essa palavra está sendo usada em sua aula. Fará melhor ainda se explicar que a humanidade nem sempre fez notações matemáticas da forma que faz hoje e que o conceito de fração e seu registro específico (da forma como são atualmente usados) fazem parte da história da matemática. Pode retomar o uso da correspondência biunívoca na contagem primitiva de animais, por exemplo. Como toda ciência, a matemática tem história que pode ser retomada com os alunos em benefício do entendimento da forma como a ciência se constituiu e se organizou. Ao apropriar-se deste conhecimento, o aluno torna-se capaz de compreender estes conceitos como uma construção social, fruto das necessidades humanas, entendendo-o não como um mistério, mas como resultado de um processo.

3. Definição, para o aluno, das finalidades das atividades de leitura: se continuarmos com o exemplo da matemática, poderemos sugerir a comparação entre os textos escritos dos problemas e enunciados de questões e notações numéricas em expressões e algoritmos. Ambas as formas de expressão do pensamento matemático devem ser lidas e, para que possam fazê-lo, os alunos precisam ter indicações claras das finalidades do uso dessas diferentes formas de linguagem nas diferentes ocasiões em que são utilizadas.

Para ampliar as capacidades de leitura, abaixo divididas em dois grupos, os professores de todas as áreas precisam ensinar seu uso a partir de diferentes estratégias.

Algumas capacidades gerais de leitura e atividades que favorecem seu desenvolvimento
Grupo A – Na perspectiva da decodificação (língua em sua dimensão de código):
1. Para melhorar a capacidade de decodificar(sim, esta parte é importante) textos escritos ou expressões numéricas, o professor pode usar estratégias simples: primeiro a leitura para o aluno, em segundo lugar a leitura com o aluno e em terceiro lugar a leitura pelo aluno de partes do texto para os demais. Com o modelo do professor, essas atividades podem favorecer o desenvolvimento da fluência (leitura global de segmentos do texto, ritmo de leitura etc.)
2. Nesse grupo da decodificação também está a capacidade de localizar e reproduzir informações, uma capacidade inicial, mas fundamental para o desenvolvimento de outras.

Grupo B – Na perspectiva da compreensão (língua em sua dimensão de discurso)
B – I – Antes de ler:
1. Ativação de conhecimentos de mundo: abrir espaço para discussões sobre o tema da disciplina abordado no texto que será lido.
2. Antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos: momento de identificação do gênero que será lido por suas particularidades visíveis a um primeiro olhar: é um problema? Um texto de didático de história? Um texto didático de ciências? Como é possível identificar, antes de ler, cada um deles?
3. Checagem de hipóteses: Qual o assunto ou tema do texto? Quem o escreveu? Com que finalidade? Em que suporte ele está? Que leitores o autor imaginou?

B – II –Ao longo da leitura:
1. Comparação de informações: em duplas, ler parágrafo a parágrafo e discutir as informações oferecidas pelo texto.
2. Compreensão global do texto: questões sobre título, partes, parágrafos, resumo etc., feitas a partir de orientação do professor e analisadas em conjunto depois de realizadas.
3. Exploração contextualizada do vocabulário (compreensão local): neste texto, o que certas palavras significam? O que elas querem dizer está definido pela área de conhecimento em que o texto foi produzido? Como é possível perceber essas particularidades?
4. Exploração de implícitos: há alguma informação ou conclusão que pode ser deduzida do que foi lido, mas que não está implícita no texto? Qual é (ou quais são)? Como essa dedução pode ser feita?

B – III–Após a leitura:
1. Exploração de intertextualidade temática: há outros textos, de outras disciplinas, que falam sobre o mesmo tema (a água, a violência, o país etc.)? Como podemos concluir isso?
2. Identificação de tipos de discursos usados: argumentação, narração, exposição, instrução, relatos. Qual predomina no texto? Se é uma instrução, em que temos que prestar atenção quando lemos? Se é um trecho argumentativo, que opiniões estão expressas etc.
3. Generalização: em duplas ou pequenos grupos, retomar o texto e analisá-lo para tirar conclusões sobre fatos, fenômenos, situações, problemas etc., seguindo um roteiro de leitura feito para essas finalidades.

Finalizando, afirmamos que este é um assunto que não se esgota aqui. Sua contribuição favorecerá a continuidade das discussões sobre leitura nas diversas disciplinas.

Aguardamos!

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[]s.
Katty Rasga