A Competência 3 do Enem se refere à organização e à inteligibilidade do texto. Mais precisamente, à suacoerência. A redação deve expor claramente a tese, ser congruente na sua estrutura e apresentar fatos, opiniões ou propostas que não entrem em contradição com a realidade.
Daí se falar numa coerência interna e numa coerência externa. A primeira depende da articulação dos componentes textuais. Os períodos devem se articular uns com os outros no parágrafo, que por vez deve estar logicamente ligado ao parágrafo seguinte. O efeito desse encadeamento gradativo é a progressão.Entre os problemas que afetam a coerência interna, está o uso inadequado dos conectivos. O papel desses vocábulos, como o nome diz, é ligar as partes do texto. Trocar um por outro gera contradições como as que se veem nos períodos abaixo:
- “O cigarro é uma irracionalidade, mas não podemos aplaudi-lo”. (Se o ato de fumar é irracional, não há contraste em não o aplaudir; a conjunção deve ser por isso, e não “mas”.)
- “Quando primata, a luta travada pelo homem era contra a sobrevivência.” (Se o homem tivesse lutado contra a própria sobrevivência, não teria chegado ao estágio a chegou. Seguramente, lutou por ela.)
- “Em detrimento da sua economia, os EUA aumentaram as chances da extinção da própria humanidade.” (O aluno queria dizer em prol, pois não teria sentido os EUA se recusarem a assinar o Protocolo de Kyoto “em prejuízo” da sua economia.)
Outro fator que compromete a coerência é o mau uso dos chamados operadores argumentativos. Eles estabelecem conexões entre períodos ou parágrafos e servem para indicar a direção argumentativa. Podem traduzir acréscimo (“ademais”, “além disso”), contraste ou ressalva (“já, “em contrapartida”, “por outro lado”), resumo ou conclusão (“em suma”, “diante disso”) etc. Antes de empregá-los, veja se eles são condizentes com as informações que introduzem.
Por vezes a falha na coerência decorre não propriamente do conectivo, mas da informação que ele antecipa. É o que ocorre nesta passagem: “A dificuldade de se relacionar pode gerar pessoas tímidas, depressivas, que não têm alegria de viver e por isso não conseguem ser éticas.”. Qual a ligação entre ser tímido, depressivo, triste -- e não ter ética? Uma coisa não se segue à outra. O “não se segue” (non sequitur) é um dos problemas lógicos mais comuns nas redações. Outro é a fragmentação do período. Geralmente ela ocorre a partir de um gerúndio ou de um conectivo (conjunção ou preposição). A passagem abaixo exemplifica os dois casos:
“O Brasil, por participar do Terceiro Mundo, possui um certo atraso em vários setores, como a industrialização. Tendo com o passar do tempo cicatrizes que deixaram marcas em seu desenvolvimento. Apesar de possuir atualmente, um amadurecimento nos diversos setores da sociedade.”
O gerúndio fragmenta a frase por não vir acompanhado de uma oração principal. Já a locução prepositiva o faz por se ligar à oração anterior e, diante disso, não poder vir após um ponto. A refeitura dá uma melhor ideia do problema anterior: “O Brasil, por participar do Terceiro Mundo, está atrasado em vários setores, como a industrialização. Esse atraso produziucicatrizes que deixaram marcas em seu desenvolvimento, apesar de o país ter amadurecido em vários aspectos.”
Desconhecer o sentido das palavras também leva à incoerência. Numa redação sobre os males do fumo, um aluno escreveu: “Sou a favor da banalização do cigarro, pois tenho um parente que todos os dias sofre as consequências que o fumo traz.” É contraditório ser a favor da vulgarização de um vício que causa danos a alguém da família. O estudante confundiu “banalização” com “erradicação” ou coisa parecida (para saber mais sobre precisão semântica, leia nossa postagem sobre o assunto neste blog).
A coerência externa decorre da pertinência e da verossimilhança das afirmações; o que se diz não pode ser desmentido pela realidade. Numa redação sobre o rolezinho, um de nossos alunos não observou esse princípio: “O que está acontecendo é que as populações das classes baixas estão entrando nesses lugares, e roubando objetos pessoais dos que pertencem às altas classes sociais.” Quem leu sobre o rolezinho sabe que ele não foi bem isso. O aluno utilizou uma atitude ocasional ligada ao fenômeno para caracterizá-lo. É esse o risco de se pronunciar sobre temas polêmicos sem estar bem informado.
O que o estudante fez se aproxima de outro desvio condenável, representado pelas generalizações. Quanto mais genérica é a afirmação, menos consistente ela se torna. Dizer que os jovens modernos são viciados na internet tem muito menos solidez de que afirmar que “grande parte dos jovens de hoje perde horas navegando na Rede”. A segunda afirmativa é confirmável, enquanto que a primeira pode ser contestada com uma única ocorrência em contrário. Delimitar e concretizar é uma das condições para não emitir enunciados genéricos, que não encontram correspondência na realidade.
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Katty Rasga